Salvador, 11 de novembro de 2012
O bairro do Canela, localizado na porção central da cidade
de Salvador, é destacado pela especulação imobiliária como um bom local para se
viver. Seus imóveis costumam ser bem valorizados. Em sua vizinhança estão os
não menos nobres bairros da Graça, Vitória e Campo Grande. Ali, encontram-se
equipamentos urbanos importantes. Têm-se escolas, faculdades, hospitais, clínicas,
bancos, supermercados e edifícios residenciais instalados em seu miolo.
O distrito se iniciou nas primeiras décadas do século
passado a partir do desmembramento de uma antiga propriedade rural chamada Roça
do Canela, pertencente à tradicional família Pereira de Aguiar. Sua relevância
na cidade ocorreu após a construção da casa do Barão do Sauípe e com a
implantação do Colégio Nossa Senhora da Vitória - Marista. Atualmente o
lugar registra a convivência de um público bastante heterogêneo, mas que, em
sua maioria, é formado pela comunidade acadêmica e por muitos moradores idosos.
Em se tratando de arquitetura, pode-se registrar também, a integração de antigos
casarões com edifícios de feição contemporânea.
A Marechal Floriano é uma rua do Canela, com formato em “L”,
que se inicia no conturbado cruzamento da Avenida Araújo Pinho com a Rua
Augusto Viana e contorna um importante quarteirão do bairro, que abriga a maior
parte dos equipamentos descritos. Esta via possui aproximadamente nove metros
de largura, pouco mais de quinhentos metros de comprimento e o tráfego de veículos se dá em mão única.
Por estas circunstâncias, é muito comum as pessoas estacionarem seus automóveis
nos dois lados da rua, os posicionando em paralelo com o fluxo central de
veículos. Evidente que o logradouro com
esta configuração de ocupação não permite ultrapassagens.
Semana passada, ansioso para chegar a uma reunião de
trabalho e trafegando pela rua descrita, deparei com uma situação incrível. Um veículo dirigido bem vagarosamente à minha
frente parou sem motivo aparente e começou um diálogo com um vendedor de uma
das quatro barracas de frutas instaladas na rua. A princípio pensei tratar-se
da busca de informações de localização, mas a minha surpresa tão imediata
quanto a minha indignação, ficou por conta da constatação do real motivo do
condutor ter obstruído a passagem de todos que seguiam na mesma direção: Dali
do banco do carro, numa atitude inusitada, o motorista resolveu comprar dois
abacaxis. Uma sensação de impotência e raiva tomou conta de mim. Como pode uma
pessoa ser tão egoísta?
O civismo refere-se às atitudes e comportamentos que cotidianamente
assumem os cidadãos. É baseado nas crenças e valores assumidos como determinantes
para preservar a harmonia da sociedade e o bem estar de todos os integrantes
dela. A obtenção de um elevado grau de civismo está diretamente vinculada uma
boa educação. O princípio básico para entender o termo é adotar a
expressão: “não faça com o outro aquilo que não quer que faça contigo!”. Conhecer
as leis, regras e prescrições de consenso coletivo é condição fundamental para que
se possibilite uma convivência, digamos que, mais civilizada. É óbvio que o bom
senso deve nortear as questões não convencionadas.
A nação brasileira, quando constituída em seu processo
histórico de formação, foi marcada pelos conflitos estabelecidos em sua origem a
partir do relacionamento entre invasores europeus, negros escravos e nativos
indígenas. A miscigenação desses povos e o incremento de tantos outros em nosso
território com suas crenças e tradições vêm, ao longo do tempo,
contextualizando uma cultura diferenciada cujos valores e sua inversão, podem
soar de forma contraditória para muitos brasileiros, mas absolutamente natural.
Há que se enfatizar a enorme diferença entre o desacordo de pontos de vistas e a
explícita desonestidade ou desvio de caráter de alguns.
Como posso criticar o barulho promovido pelos carros de som
nas ruas, se eu patrocino festas em meu apartamento cuja altura do som atinge
mais de noventa decibéis? Como posso protestar da sujeira da minha rua, se
costumo descartar o lixo no terreno baldio da vizinhança? Atitudes que aparentemente
não causam prejuízos diretamente a uma pessoa, mas que se assemelham a uma produção
industrial. Ao se danificar alguns dos dentes de uma máquina de engrenagens, se
torna impossível que o conjunto mecânico funcione perfeitamente. Assim é a
nossa sociedade. Pequenas atitudes de desrespeito que impedem que convivamos ajustadamente.
Recentemente, aguardando impaciente e por vários minutos,
estava na fila do supermercado. Logo atrás, o número de clientes aumentava
enormemente. Mesmo assim, um cidadão aparentemente saudável e com vinte e
poucos anos se aproximou de mim e falou quase inaudível:
- O senhor poderia me deixar passar à sua frente, com as
minhas compras?
Em suas mãos uma garrafa de bebida alcoólica e dois litros
de um energético vulgar. Visivelmente comemorava algo. Estava com pressa e me
escolheu porque era o próximo a ser atendido no caixa. Respondi com um sonoro “hein!?”,
que deve ter atingido os mesmos decibéis que enumerei. Minha interjeição e dúvida, posta naquela única
palavra e soada com o alto volume, explodia a minha repulsa latente diante da
pergunta incômoda. E, além disso, permitia que todos os clientes que estavam
depois de mim ouvissem exatamente a proposta indecorosa do sem vergonha. Ele ousou
repetir um pouco mais alto e, eu respondi tranquilamente, de modo que os demais
interessados me ouvissem:
- Por mim não há problema algum em você passar as suas
compras, mas tenho que ter a autorização de cada um destes que está logo depois
mim para permitir seu intento - Falei apontando para os clientes na fileira.
Em seguida me dirigi aos demais clientes e perguntei se eles
permitiam a transação. Evidente que quase ocorre um linchamento com o sujeito,
que saiu rapidamente dali me dizendo impropérios. Fui pra casa refletindo com a
situação. Acho que fui cruel, mas agi por instinto e em defesa dos tais valores
cívicos.
Ocorre que frequentei as aulas da disciplina “Educação Moral
e Cívica” durante o meu ensino básico, que foi extinta dos currículos escolares.
A metodologia das aulas, em tese, não se proporia a adestrar nem catequizar os
indivíduos, mas sim, estimular o pensamento voltado aos valores éticos e morais.
Que fique claro que a defesa à cadeira é, sobretudo, à reflexão do sujeito, não
à imposição de valores individuais de quem ministra as aulas como princípio e
método. Esta disciplina nos permitiu – a mim e aos meus colegas – instigar um
pouco da busca pela cidadania ao qual todos têm direito.
Pelos cabelos grisalhos e a aparente idade do senhor que
parou pra fazer compras interrompendo o trânsito no Canela, pode-se concluir
que o mesmo andou cabulando muitas aulas de EMC no seu período ginasial e, sem
dúvida alguma, é um cara de pau audacioso.
Muito bom este seu exemplo de Civismo e ao mesmo tempo um forte apelo a que se resgate em Salvador a importância da consciência da cidadania, que muitas vezes, é ignorada pelos soteropolitanos. Anilson, aliás, exemplos como estes deveriam ser mais enfatizados nas mídias e na Web, porque como sabemos, pelo ditado que diz, "água mole em pedra dura tanto bate até que fura". Então, é isso,vamos soltar o nosso verbo, quanto mais melhor!!! Quem sabe, mais cedo do que se imagina, teremos uma nova ordem de cidadãos civilizados? Viva a liberdade de expressão e o respeito ao próximo!!!Um grande AXÉ!!!!
ResponderExcluirTan, obrigado pela mensagem! Também acredito nessa meta de civismo. A propósito queria fazer um registro e creditar boa parte dessa minha inquietação ao meu amigo Marcelo Mollicone, cuja dedicação ao tema lhe rendeu um mestrado. Seu link no face é https://www.facebook.com/mmollicone
ResponderExcluirabração
Anilson, eu não faltei às aulas de EMC e tive bom rendimento.
ResponderExcluirVocê foi perfeito quanto ao rapaz que queria prioridade no atendimento, claro que ao passá-lo na sua frente ele também passava na frente dos demais, logo tinha que ter a aquiescência de todos ou então você dava a sua vez para ele e ia para o final da fila. Espero que nossos alunos estejam lendo as suas crônicas pois os jovens precisam de exemplos de civismo e você é um exemplo vivo.
Grade abraço pra ti.
Bom te conhecer por aqui!
ResponderExcluirA base educacional é de extrema importância para formação dos cidadãos! Mesmo na sala de aula muitos não percebem a lição, mas o cotidiano também traz muito aprendizado e essa percepção é só para quem se importa com o outro.