Salvador, 05 de outubro de 2012
O termo empreender, para muitos autores, começou a ser
empregado na França por volta do século XVIII, e caracteriza ações de pessoas
convictas em seus propósitos que promoviam o desenvolvimento de diversos setores
econômicos no país, a partir de inovações na forma de negociar. Mas, foi Jean-Baptiste Say, economista francês, que no começo do século XIX definiu o
empreendedor como a pessoa capaz de “mover recursos econômicos de uma área de
baixa para outra de maior produtividade e retorno”.
Say arriscava que era necessário um empreendedor para
colocar em movimento todo o tipo de negócio. Para ele, algumas pessoas fornecem
a matéria-prima, outras, o capital, outras ainda, o trabalho. Mas somente o
“agente principal”, como ele descrevia os empreededores, pode combinar esses
fatores ao trazer ao mercado, produtos que suprem os desejos humanos a partir
da desenvoltura de quem realiza os julgamentos certos, supera obstáculos,
suprime ansiedades, remedia desacertos e idealiza projetos.
Não possuo formação suficiente para teorizar sobre os conceitos
da administração moderna, mas passo a relatar a história de um cidadão que
conheci no ano de 2008 e que representa um dos maiores “cases de sucesso" que conheci pessoalmente.
Era uma manhã de segunda-feira, início de do ano letivo de
2008, quando entrei na sala e me dirigi aos estudantes presentes. Lá estava uma
das alunas com o sorriso acolhedor. Conheci-a com a mesma simpatia que ainda
hoje exibe e conquista a quem lhe cruza o caminho. Estudante aplicada e com uma
fineza que a tipifica e a assemelha às garotas que em décadas passadas foram
educadas em conventos beneditinos.
Durante o ano letivo em que convivi com ela, fui convidado a
conhecer a sua família e residência em diversas ocasiões. Não recordo
exatamente a data em que os vi – seus pais e irmã - pela primeira vez, mas lembro
com muita riqueza de detalhes a conversa que tive com seu pai sobre sua
trajetória de vida. Dono de um sorriso constante e uma caprichada escolha nas
palavras que pronuncia, tratou de falar sobre seu crescimento profissional com
a certeza de que eu prestaria atenção em cada detalhe. Sua convicção em minha curiosidade
foi certa. Passei a ouvir sua narrativa concentrado.
Assim como tantos outros baianos do interior do estado, veio
pra capital com os vinte e poucos anos, em
busca de emprego e melhores condições. Em sua bagagem, algumas vestes, e o
desejo de se empregar o quanto antes. Arrumou um emprego em um pequeno
restaurante, onde exerceu a função de garçom até o dia que o proprietário informou a todos os funcionários
sobre a falência, fechamento do negócio e suas dificuldades em pagar as contas.
Ao seu tempo de serviço foi ofertada uma máquina de corte para alumínio em
troca da indenização a que tinha direito. Não titubeou e aceitou aquela que
viria a ser a sua primeira ferramenta de trabalho como empreendedor e o instrumento
decisivo no caminho empresarial que viria a trilhar.
Estudioso aplicado, apesar de só ter frequentado a escola
até o equivalente ao primeiro ano do ensino médio, passou a se apropriar da
potencialidade da ferramenta adquirida, pesquisou sobre características daquele
material para fabricação de esquadrias e decorou o texto que passaria a utilizar
e convencer as centenas de clientes que, mais tarde, se fidelizariam aos seus serviços e o
recomendaria a amigos e vizinhos. Dois elementos, objetos do seu olhar diferenciado
e do faro aguçado típicos de quem domina a atmosfera comercial, lhe chamaram a
atenção à época: Primeiramente, nosso protagonista identificou que a grande
maioria dos apartamentos de classes “c” e “d” eram entregues aos proprietários sem
fechamentos na área de serviço (uma economia pragmática das construtoras) e isso
representava uma questão de insegurança para os moradores. Segundo, ao notar este
filão, constatou que o mesmo público gostava da comodidade de ver seu serviço concretizado
o quanto antes, realizando a transação diretamente com o vendedor, o fornecedor da matéria
prima e o instalador da esquadria. No caso dele, resumia os três elementos
na pessoa dele próprio. E assim era, diuturnamente, passou a ofertar de lar em
lar, nos bairros de Salvador, preferencialmente periféricos, seu negócio de
forma inovadora e com custos mais baratos que a concorrência.
Não demorou para que o resultado do seus investimentos se
transformasse em sucesso. Seus números de crescimento são impressionantes. Em
pouco tempo, adquiriu várias outras máquinas, comprou pequenas oficinas,
ampliou os negócios, investiu em diferentes ramos, comprou imóveis e os alugou.
Perto de fazer cinquenta anos ainda trabalha com o mesmo entusiasmo que começou,
mas não com a mesma gana. Sua mira empreendedora aponta para outros caminhos.
Ele é uma dessas pessoas predestinadas cujo talento para descortinar oportunidades
é raríssimo. Onde costuma tocar, vira ouro!
Cerca de um ano e meio atrás, em um almoço festivo em sua
casa, ele confidenciou um projeto que, a mim, pareceu totalmente inusitado. Como
arquiteto, não consegui “entrever” na área destinada aos jardins da sua residência
em Stela Mares, a possibilidade de construção de um espaço para realização de eventos
particulares – festas de casamento, aniversários e formaturas. Não avistei esta
relação moradia-negócio como uma possibilidade de sucesso. Confesso que, ao
conhecer suas intenções, não tive coragem de destituí-lo do plano, entretanto fiquei
apreensivo quanto às chances deste novo modelo ter êxito. Sua empolgação era
quase comovente. Eu não tinha o direito de ser contra!
Um ano depois, sua obra estava de pé. Construiu uma boate
com isolamento acústico, incorporada a um enorme salão aberto, cujo sistema de
cobertura em treliças corre sobre trilhos, possibilitando que
determinados eventos sejam ao ar livre, dois sanitários confortáveis anexos e
uma enorme cozinha estrategicamente posicionada, que constituem os elementos arrojados
do seu empreendimento, que é o mais
caçula, porém que já nasce figurando como um dos mais rentáveis. Nem precisa
dizer que todos aqueles que foram contrários à sua ideia estavam redondamente enganados.
Invariavelmente os aluguéis para eventos no tal espaço acontecem em três ou
quatro dias na semana. Os convidados das festas ali realizadas não trazem
desassossego às pessoas que ainda reside na bela casa que divide o endereço, já
que os moradores utilizam acessos alternativos para as dependências e o barulho
não chega a incomodá-los.
Say estava absolutamente com a razão dois
séculos atrás, os “agentes principais” fazem a diferença em economias como a
nossa. Os arroubos de coragem e
determinação de cidadãos como este constituem possibilidades reais de
concretização de negócios que ajudam o país a crescer. No caso citado, o
personagem deixa de ser empregado e passa a ser um empregador. Só é preciso
estar atento a um detalhe, os requisitos para ser empreendedor são natos, não
se aprende em faculdade, pode-se até aprimorá-los, mas não se adquire. É dom!
Muito bom texto Anílson, mostra realmente que o empreendedorismo é um dom, e que esta em falta, sobre a casa que foi transformada em salão de festas por coincidência já estive nela em um evento e posso dizer que foi realmente muito bem bolada.
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