quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Palmas??? Para quem???







Salvador, 25 de outubro de 2012




Eram duas horas e quarenta e oito minutos da manhã do último sábado quando pus os pés em solo tocantinense. O aeroporto de Palmas me pareceu singelo e com um aspecto de uma construção inaugurada antes do tempo. A temperatura fria dentro da aeronave contrastou enormemente com o calor acentuado que costumeiramente faz na capital do Tocantins. Ali estava eu para mais uma empreitada por um lugarejo no centro-norte brasileiro.

Fui convidado para participar do Congresso Norte Nordeste de Pesquisa e Inovação, que ocorreu naquela cidade. Minha participação tinha como finalidade avaliar a estrutura, a logística e os conceitos empregados no evento, para consubstanciar e dimensionar o próximo Congresso de igual teor, a ser realizado aqui em Salvador, em novembro do ano que vem.

Tocantins, palavra originária da língua tupi, que significa bico de tucano, dá nome a uma das vinte e sete unidades federativas do nosso país – última aprovada – cuja fundação se deu no ano de 1989.  Sua criação se deu a partir da divisão do estado de Goiás que cedeu a porção norte do seu território para o nascimento do novo estado. Tudo ali é recente. Sua economia gira em torno da exportação de soja em grãos e carne bovina.

Nos dias que antecedem minhas viagens a lugares desconhecidos, costumo usar a estratégia de “passear virtualmente” pelos Google Maps e Street View dos destinos, com a finalidade de tentar me apropriar previamente da configuração e mobilidade urbana dos locais que futuramente visitarei. A fotografia aérea de Palmas, pelo Maps, dimensionou, um pouco, a concepção urbanística projetada e construída no município e me permitiu ter uma noção das intervenções nos espaços públicos e privados. Nada que represente, de fato, o que visualmente pude perceber no próprio local. O Street View com suas ótimas fotografias em trezentos e sessenta graus feitas em diversas capitais pelo mundo afora ficou devendo este registro da capital tocantinense.

O projeto da cidade foi idealizado por dois arquitetos brasileiros  formados por escolas inglesas - Walfredo Antunes e Luis Fernando Cruvinel. O partido adotado em muito se assemelha à concepção modernista empregada em Brasília, mas tal afirmativa é, veementemente, rechaçada pelos autores. Dois eixões estruturantes (norte-sul e leste-oeste)  foram implantados no sistema viário daquela capital. Há que se considerar a generosidade empregada na largura das suas principais avenidas. Isso possibilita fluência no trânsito e certo conforto para os que dele necessitam. A escolha do território para implantação da tal cidade se deu em virtude da topografia e da localização no centro geográfico do estado. O plano urbanístico idealizado, limitado a leste pela serra do Lajeado e a oeste pelo rio Tocantins, revela uma divisão ortogonal que incorpora o conceito de quadras organizadas. Estas são relativamente comparadas com as idealizadas no Distrito Federal. A exceção fica pela não adoção dos setores urbanos bem definidos e também a não imposição de gabaritos fixos para altura dos prédios.

Em tese, talvez o conceito de pós-modernidade urbanística adotado como modelo para as cidades capitalistas do século XIX tenha possibilitado, em Palmas, a articulação de uma proposta enviesada de moradia, circulação, produção e consumo numa mesma porção espacial, em oposição às cidades medievais, cuja produção era feita no campo e o consumo dentro dos muros. Neste aspecto, o que mais me chamou a atenção foi a ausência de quadras exclusivamente residenciais.  No curto espaço de tempo em que fiquei por lá, tive a sensação de que basta adquirir um lote em qualquer local e erguer o que quiser. Parece não haver um ordenamento do uso do solo a partir de uma orientação criteriosa contida nos instrumentos legais, ou então a fiscalização é, ainda, ineficaz – pode ser que minha leitura tenha sido superficial. A repercussão imediata deste tipo de apropriação dos espaços acarreta em situações pitorescas. Do tipo: a instalação de um barulhento bar ao lado de uma casa de acolhimento de idosos. Claro que as funções dos dois equipamentos são bastante distintas, seus públicos alvos diferenciados e a sobrevivência do segundo em detrimento da permanência do primeiro é, absolutamente, impossível.

Instalei-me num hotel executivo, situado quase em frente à Praça dos Girassóis, um dos principais pontos de visitação da cidade. A hospedaria que conta com uma intrigante arquitetura, cuja circulação é permeada por passarelas estruturadas em madeira de lei que interligam os ambientes e jardins internos, aliada ao calor que beirou os quarenta graus, foi um convite para se descartar qualquer passeio turístico por Palmas. Confesso que passei  a maior parte das minhas 36 horas de estadia em apenas dois lugares que me proporcionava conforto térmico: a sala da coordenação do evento e o quarto do hotel – ambos possuíam um excelente ar condicionado que me permitia uma razoável sensação de bem estar.  Estive em um dos shoppings da cidade, localizado a quinhentos metros do hotel, para jantar na noite de sábado. Eram quase dezenove horas, quando fui caminhando e contemplando uma cidade recentemente projetada, mas que, notadamente, exibia um vazio importante. Demorei a perceber qual elemento faltava ao conjunto - outros transeuntes que, assim como eu, também deveriam estar por ali andando pelo concreto aparente das calçadas.

Durante o percurso, percebi alguns poucos carros passarem margeando o passeio em que eu ia. O sistema público dotou o local de iluminação eficiente, calçamento bem delineado, gramado aparado e avenidas largas e sinalizadas. Mas, pelo menos naquela noite, faltou ao espaço urbano o elemento primordial: as pessoas.  Não as vi! O que será dos espaços públicos se neles não estiverem os cidadãos? Que fenômeno impõe aos tais cidadãos a escolha por não transitar nas vias que lhe foram destinadas?

À primeira vista, as respostas às duas perguntas acima podem estar relacionadas diretamente à questão da segurança pública, entretanto creio que não há como elencar apenas este elemento como fator conclusivo. Ao meu ver, para além deste quesito, outras questões podem ser incorporadas, tais como: o estímulo a um novo estilo de vida que não nos faça recorrer apenas a locomoção automotiva, a criação de atrativos culturais que não estejam contidos  intra-muros, o incentivo fiscal a lojistas para que o comércio de rua possa competir com as lojas climatizadas dos shoppings, ações de caráter permanente de modo a promover a inclusão e mobilidade plena dos indivíduos, enfim eis algumas formas de revitalizar as ruas centrais das grandes cidades brasileiras.

Do contrário, continuaremos convivendo com o cenário inóspito destas ruas, que nem de longe deve se assemelhar com as pranchas idealizadas por Antunes e Cruvinel, mas que “in loco” revelam a mesma inércia e apatia das fotografias aéreas do Google Maps.

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Os órfãos do esquerdismo







Salvador, 18 de outubro de 2012



Era início da década de noventa, o Brasil ainda vivia os resquícios da ditadura militar, quando fui matriculado na antiga Escola Técnica Federal da Bahia. Meu ideal em vestir a camisa azul daquela instituição trazia um romantismo e uma visão apequenada do leque de oportunidades que viria a desfrutar a partir dali. Cego nas transformações políticas pelas quais o país enveredaria, fui me ambientando num universo absolutamente politizado que efervescia a partir da massiva e intensificada ideologia do movimento estudantil da minha antiga escola. Este movimento era unilateral. Sua conversão era com os chamados partidos de esquerda.
A antiga ETFBA era verdadeiramente intensa em todos os sentidos. A medida que nós, alunos, nos deparávamos com as famosas exigências dos rígidos professores que tínhamos, íamos também  nos aprofundando em tantos outros retalhos que constituíam o lençol de formação cidadã daqueles que por ali passaram.  Fiz centenas de bons amigos, conheci músicas de boa qualidade, discuti sobre diversas matrizes religiosas, aprendi sobre cultura e arte e fui doutrinado em política partidária. Minha simpatia pelos então chamados partidos de esquerda iam, com o passar do tempo, se intensificando. Evidente, que os professores  da Escola Técnica exerciam uma grande influência em mim, nos meus colegas e nos líderes estudantis que viriam a seguir.
As nossas aulas nas áreas de ciências humanas tendiam a utilizar textos com vieses socialistas, provavelmente produzidos pela classe intelectual brasileira, que se baseava nas críticas da classe trabalhadora aos efeitos da industrialização e da sociedade caracterizada como injusta pelos pensadores Karl Marx e Friedrich Engels. Nossa verdade era apenas aquela: éramos todos socialistas ou comunistas a defender a tomada de poder pelos partidos de esquerda.  Posso fazer uma lista com os inúmeros colegas secundaristas que defendiam tais ideias desde aquela década e, estão até hoje enraizados às mesmas teorias. Pararam no tempo. E no que se transformaram estes partidos de esquerda?
Ao longo desses anos acompanhei a política partidária brasileira e vi absurdos. Vi o antigo PCB (Partido Comunista Brasileiro) se transformar em PPS e se aliar a partidos oriundos da antiga Arena em diversos certames. Vi o PT e o PCdoB formarem um arco de alianças pelo Brasil adentro com partidos tidos como de aluguéis. Vi o PSDB se aliar ao antigo PFL, hoje DEM, para eleger seu primeiro presidente da república. Vi o Partido Verde se afastar das causas ambientais. Vi dezenas de partidos nanicos serem criados com a explícita intenção de coagirem os chefes de executivos a negociar mensalões e mensalinhos. E, finalmente, vi surgirem os “novos” partidos da esquerda brasileira. Novos? Como assim?
Qual a verdadeira ideologia por trás de partidos como PSOL, PSTU e PCO? Evidente, que olhando pra dentro destas agremiações encontraremos pessoas ainda entrincheiradas na luta em defesa de interesses sociais coletivos como o meu colega de Escola Técnica, ex-membro do grêmio estudantil e hoje vereador eleito por Salvador, Hilton Santana. Há que se considerar a sua origem. Foi sempre atuante dentro do Partido dos Trabalhadores e integrante da facção “Força Socialista”, cujo membro mais conhecido, Nelson Pelegrino, se tornou várias vezes deputado federal e hoje, além de candidato a prefeito de Salvador é também adversário político do futuro edil. O que está em jogo? Quem está certo?
Não há certo ou errado. Existem os interesses óbvios nesta disputa. Estes partidos socialistas são, exatamente, as repetições, transladadas no tempo, do mesmo tipo de projeto implementado pelo PT. Seus argumentos são os mesmos. Sua militância usa as mesmas táticas. E, acreditem, usam também os antigos discursos de Marx e Engels para seduzir os jovens alunos de instituições de educação pra engrossar a ala dos seus filiados. Não há nada de inédito. Aliás, só temos coisas velhas.  Na antiga União Soviética e no Leste Europeu o socialismo real se transformou num sistema ditatorial, que acabou em derrocada em virtude dos Estados investirem na indústria bélica em detrimento dos investimentos em educação e tecnologia.
Alguns países se mantêm no propósito socialista: China, Vietnã, Coréia do Norte. Notem que a maior parte dos tênis que calçam os consumidores exigentes dos países ocidentais é oriunda da conhecidas multinacionais que lucram com o trabalho quase escravo e a exploração infantil nos ditos países socialistas. Que socialismo é esse?
Cuba, único país socialista na América, desde o ano passado vem modificando suas relações com a população com o real objetivo de dinamizar sua economia. Ainda esta semana ouvi no Jornal Nacional que as antigas restrições de entrada e saída de turistas daquela nação caíram por terra...
Jacques Wagner, governador da Bahia, é hoje considerado um crápula pela grande maioria dos servidores públicos do estado, sobretudo pelos professores e policiais militares cujos sindicatos impôs uma greve intensa e desgastante ao seu governo. Quem é Jacques Wagner e qual a sua origem? Wagner é ex-sindicalista e um dos fundadores do PT no Brasil e na Bahia. Seu antigo discurso parecia, e muito, com a oração daqueles que hoje empunham a bandeira amarela e vermelha do PSOL. Agora vamos ao seguinte raciocínio, qual garantia temos de que os defensores contemporâneos do socialismo não tenderão a se comportar da mesmíssima forma que os velhos esquerdistas? “Eu vejo o futuro repetir o passado...”(Cazuza).
As duas décadas que separam o meu imaturo encantamento e a minha forte desilusão com o discurso e a praxis dos políticos brasileiros foram suficientes para me transformar num cidadão crítico e desconfiado. E, por demais, desalinhado com o pensamento cartesiano que quer fixar a lógica  de lados políticos diametralmente opostos. E, o pior, que apenas um deles tem razão. Isto não é verdade!  É preciso nos livrar dos (pré)conceitos  existentes. É preciso nos livrar da síndrome de juízes repentinos que insiste em julgar a tudo e todos com base apenas no nosso exclusivo juízo de valor e, às vezes, na rasa e superficial opinião das massas.
Não acredito mais nas agremiações políticas do nosso país. Os grupos são organizados por pessoas com interesses outros. Muitos deles viram uma corja cujos objetivos principais são realizações de negociatas em caros restaurantes a beira do lago Paranoá em Brasília. Logo, não podemos garantir que as argumentações do presidente nacional do partido ”A” seja, de fato, a mesma pretendida pelos quadros  deste partido nas esferas municipais ou estaduais.
Haveria de existir uma questão de espectro ideológico. Pessoas só deveriam filiar-se às organizações quando se tornassem catedráticas das linhas do pensamento político e econômico, e de poder do partido pretendido. Quem tutela a corrente liberal, deveria, em tese, advogar princípios como a limitação da participação do estado na atividade econômica do país. Quem patrocina o centrismo, colocar-se-ia contrário ao capitalismo selvagem e também as teorias marxistas. Quem tutora a extrema-esquerda, deveria  se basear no comunismo latente e nas  enciclopédias trotskistas. Será que é exatamente isto o que vemos no Brasil? Acho melhor nos reencontrar com os nossos saudosistas mestres para rever os nossos conceitos.

sábado, 13 de outubro de 2012

A competição




Salvador, 13 de outubro de 2012




Fui professor da Universidade Federal da Bahia nos anos de 2004 e 2005. Lecionava a disciplina Desenho Técnico para os cursos de engenharia. Ministrei paras as turmas daqueles anos, um curso diferenciado, cuja ementa proposta por mim, agrupava as modernas técnicas de representação gráfica, respeitando às teorias da geometria descritiva proposta por Gaspard Monge no século dezoito e a formatação científica que esta disciplina passou a adquirir, no mesmo século, a partir da necessidade de industrialização da sociedade. Inseri o projeto auxiliado por computador – CAD - em minhas aulas e o defendi como ferramenta necessária à sobrevivência dos futuros profissionais que se inclinariam à decisão de projetar.

Os estudantes de engenharia sempre foram considerados os mais aplicados, da área de exatas, naquela universidade. E, durante muito tempo, os de elétrica eram vistos como os mais estudiosos das engenharias. Não sei exatamente se há uma estatística fundamentada para estas informações, mas recordo que nas reuniões do colegiado de curso, em que participava, esta opinião era frequente e unânime entre os meus colegas.

Como, no ano de 2004, fui professor de vários cursos, e tive uma das turmas de engenharia elétrica para lecionar, posso afirmar categoricamente, que ela foi, de fato, a classe mais destacada que passou por mim naquela Universidade. Havia entre eles, aprendizes, uma força motriz inexplicável para a arte de estudar que muito me chamava atenção.

Em diversas oportunidades, me impressionei com o espírito determinado daquelas pessoas. Evidente, que num variado conjunto de quarenta alunos, alguns fossem mais, outros menos aplicados, mas a regra geral era que aqueles jovens tinham um padrão de comportamento responsável e uma busca incessante pelo conhecimento, que além de impressionar, também me entusiasmava. E a aulas fluíam como uma comunicação perfeita entre o orador e os ouvintes: os atores se entendiam perfeitamente.

Neste mesmo ano, também lecionava em duas universidades particulares situadas no município de Lauro de Freitas – professor, no Brasil, tem quase sempre a difícil missão de arregimentar um melhor salário a partir da lotação completa de sua carga horária semanal. Comigo não era diferente. O fato de ser educador em três instituições distintas no mesmo ano letivo, e deparar com turmas formadas por alunos de diversos cursos, me possibilitou identificar com clareza as características existentes entre os grupos para os quais ensinei. Para tranquilizar os mais incautos, afirmo que cada uma destas turmas possuía suas peculiaridades próprias, e eu gostei de ter conhecido todas elas. Entretanto, a ênfase dada em particular a este grupo se deve ao fato do sucesso de aprendizagem alcançado e as destacadas razões que passo a comentar.

Tenho a certeza de que não sou um professor convencional – não quero dizer com isso que sou melhor ou pior que outros – apenas, sou diferente. A impressão que fico a partir do depoimento dos muitos amigos (ex-alunos) que adquiri com ao longo do exercício da minha profissão é que instigo, ainda que de forma não intencional e com certa acuidade, a motivação para o desenvolvimento da  potencial criatividade de cada indivíduo. Acredito ser nato em todas as pessoas. Evidente, que nem todos os alunos despertam para isto, mas grande parte deles corresponde com resultados fantásticos aos estímulos feitos. Na turma em questão a inquietação e a curiosidade eram, absolutamente, exageradas e os resultados impressionantes!

Um detalhe, também me possibilitou traçar comparações. Recordo que ministrava a mesma disciplina em duas das faculdades à época, e fazia questão de resguardar a mesma ementa e, por conseguinte, as mesmas aulas. Não fazia distinção entre alunos das universidades pública ou privada, embora reconheça a existência de diferentes particularidades entre eles. Tratava-os da mesma forma. Lembro também que a grande maioria dos alunos da classe comentada, tiravam notas muito altas, comparadas com os alunos das outras engenharias da mesma faculdade ou das outras escolas em que eu também era educador.

Um fato curioso me fez refletir. Estávamos findando uma das unidades bimestrais e esta classe possuía um aproveitamento médio bem acima dos noventa por cento. Um dos estudantes, bastante educado e muito disciplinado, teria obtido a nota nove vírgula sete. Um pequeno detalhe lhe tirou a nota máxima (dez) que tanto buscava. Aquela havia sido a melhor nota da turma naquela unidade.

No mesmo ano, e em uma das faculdades privadas, realizei um seminário, no turno noturno, com a participação de convidados externos à instituição cujo objetivo era aproximar a academia do mercado de trabalho. Convidei os alunos da classe protagonista, que estudavam pela manhã, a participar. Incentivei-os para que extrapolassem os muros da universidade pública e percebessem a realidade de outra instituição, num fórum de âmbito técnico e científico. Vários deles aceitaram o convite e debateram com os demais participantes sobre projetos em engenharia. O evento foi notável. Como forma de retribuição, resolvi premiar, com meio ponto extra, cada um dos participantes. Lembro que alguns alunos da falada turma saltaram dos nove vírgula cinco para a nota máxima. Vários deles ultrapassaram a nota do prodígio aprendiz da classe. E, aí eu me deparei com um problema:

- Professor, não acho justo que, em virtude de não poder participar do evento, os meus colegas fiquem com a nota maior que a minha - alegou o aluno que até então possuía a maior nota na sala.

Fiquei constrangido explicando que o motivo da pontuação extra não era prejudicar alguém e sim reconhecer quem fizera um esforço extra pra participar do fórum. Eu argumentava que o fato de determinado  estudante ficar com a nota dez não tiraria o brilhantismo dele  ter sido, naquela unidade, o meu melhor aluno. Não o convenci. O debate se estendeu durante quase duas horas. Até que finalmente percebi o que efetivamente estava por trás daquele discurso aparentemente inocente e egoísta. Os alunos das universidades competem entre si durante toda a vida acadêmica. E, ao que tudo indica, naquela classe, a competição era muito mais acirrada.  Qual o significado deste tipo de disputa? Está em jogo, neste processo de formação profissional, a deformação de conceitos básicos de cidadania, de justiça, de convivência harmônica e de urbanidade.

Nunca mais o vi. Não sei qual caminho profissional trilhou. A todos os alunos que estiveram comigo sempre desejei que buscassem o sucesso em suas profissões, mas não esquecessem de forma alguma que a felicidade das pessoas não está vinculada apenas ao desempenho profissional. Conheço pessoas bem sucedidas em suas carreiras que vivem dilemas com a sua própria saúde, conflitos extremos em suas convivências familiares ou desencontrados arranjos em sua vida amorosa. Não estão em paz apenas com os recursos financeiros que possui. Seus desejos vão, para além, disso! Enfim, um espólio milionário, ajuda enormemente, mas não é capaz de comprar as utopias do indivíduo.

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

O empreendedor









Salvador, 05 de outubro de 2012



O termo empreender, para muitos autores, começou a ser empregado na França por volta do século XVIII, e caracteriza ações de pessoas convictas em seus propósitos que promoviam o desenvolvimento de diversos setores econômicos no país, a partir de inovações na forma de negociar. Mas, foi Jean-Baptiste Say, economista francês, que no começo do século XIX definiu o empreendedor como a pessoa capaz de “mover recursos econômicos de uma área de baixa para outra de maior produtividade e retorno”.

Say arriscava que era necessário um empreendedor para colocar em movimento todo o tipo de negócio. Para ele, algumas pessoas fornecem a matéria-prima, outras, o capital, outras ainda, o trabalho. Mas somente o “agente principal”, como ele descrevia os empreededores, pode combinar esses fatores ao trazer ao mercado, produtos que suprem os desejos humanos a partir da desenvoltura de quem realiza os julgamentos certos, supera obstáculos, suprime ansiedades, remedia desacertos e idealiza projetos.

Não possuo formação suficiente para teorizar sobre os conceitos da administração moderna, mas passo a relatar a história de um cidadão que conheci no ano de 2008 e que representa um dos maiores “cases de sucesso" que conheci pessoalmente.

Era uma manhã de segunda-feira, início de do ano letivo de 2008, quando entrei na sala e me dirigi aos estudantes presentes. Lá estava uma das alunas com o sorriso acolhedor. Conheci-a com a mesma simpatia que ainda hoje exibe e conquista a quem lhe cruza o caminho. Estudante aplicada e com uma fineza que a tipifica e a assemelha às garotas que em décadas passadas foram educadas em conventos beneditinos.

Durante o ano letivo em que convivi com ela, fui convidado a conhecer a sua família e residência em diversas ocasiões. Não recordo exatamente a data em que os vi – seus pais e irmã - pela primeira vez, mas lembro com muita riqueza de detalhes a conversa que tive com seu pai sobre sua trajetória de vida. Dono de um sorriso constante e uma caprichada escolha nas palavras que pronuncia, tratou de falar sobre seu crescimento profissional com a certeza de que eu prestaria atenção em cada detalhe. Sua convicção em minha curiosidade foi certa. Passei a ouvir sua narrativa concentrado. 

Assim como tantos outros baianos do interior do estado, veio pra capital com os vinte e poucos  anos, em busca de emprego e melhores condições. Em sua bagagem, algumas vestes, e o desejo de se empregar o quanto antes. Arrumou um emprego em um pequeno restaurante, onde exerceu a função de garçom até o dia  que o proprietário informou a todos os funcionários sobre a falência, fechamento do negócio e suas dificuldades em pagar as contas. Ao seu tempo de serviço foi ofertada uma máquina de corte para alumínio em troca da indenização a que tinha direito. Não titubeou e aceitou aquela que viria a ser a sua primeira ferramenta de trabalho como empreendedor e o instrumento decisivo no caminho empresarial que viria a trilhar. 

Estudioso aplicado, apesar de só ter frequentado a escola até o equivalente ao primeiro ano do ensino médio, passou a se apropriar da potencialidade da ferramenta adquirida, pesquisou sobre características daquele material para fabricação de esquadrias e decorou o texto que passaria a utilizar e convencer as centenas de clientes que, mais tarde,  se fidelizariam aos seus serviços e o recomendaria a amigos e vizinhos. Dois elementos, objetos do seu olhar diferenciado e do faro aguçado típicos de quem domina a atmosfera comercial, lhe chamaram a atenção à época: Primeiramente, nosso protagonista identificou que a grande maioria dos apartamentos de classes “c” e “d” eram entregues aos proprietários sem fechamentos na área de serviço (uma economia pragmática das construtoras) e isso representava uma questão de insegurança para os moradores. Segundo, ao notar este filão, constatou que o mesmo público gostava da comodidade de ver seu serviço concretizado o quanto antes, realizando a transação diretamente com o vendedor, o fornecedor da matéria prima e o instalador da esquadria. No caso dele, resumia os três elementos na pessoa dele próprio. E assim era, diuturnamente, passou a ofertar de lar em lar, nos bairros de Salvador, preferencialmente periféricos, seu negócio de forma inovadora e com custos mais baratos que a concorrência.

Não demorou para que o resultado do seus investimentos se transformasse em sucesso. Seus números de crescimento são impressionantes. Em pouco tempo, adquiriu várias outras máquinas, comprou pequenas oficinas, ampliou os negócios, investiu em diferentes ramos, comprou imóveis e os alugou. Perto de fazer cinquenta anos ainda trabalha com o mesmo entusiasmo que começou, mas não com a mesma gana. Sua mira empreendedora aponta para outros caminhos. Ele é uma dessas pessoas predestinadas cujo talento para descortinar oportunidades é raríssimo. Onde costuma tocar, vira ouro!

Cerca de um ano e meio atrás, em um almoço festivo em sua casa, ele confidenciou um projeto que, a mim, pareceu totalmente inusitado. Como arquiteto, não consegui “entrever” na área destinada aos jardins da sua residência em Stela Mares, a possibilidade de construção de um espaço para realização de eventos particulares – festas de casamento, aniversários e formaturas. Não avistei esta relação moradia-negócio como uma possibilidade de sucesso. Confesso que, ao conhecer suas intenções, não tive coragem de destituí-lo do plano, entretanto fiquei apreensivo quanto às chances deste novo modelo ter êxito. Sua empolgação era quase comovente. Eu não tinha o direito de ser contra!

Um ano depois, sua obra estava de pé. Construiu uma boate com isolamento acústico, incorporada a um enorme salão aberto, cujo sistema de cobertura em treliças corre sobre  trilhos, possibilitando que determinados eventos sejam ao ar livre, dois sanitários confortáveis anexos e uma enorme cozinha estrategicamente posicionada, que constituem os elementos arrojados do seu empreendimento, que é o  mais caçula, porém que já nasce figurando como um dos mais rentáveis. Nem precisa dizer que todos aqueles que foram contrários à sua ideia estavam redondamente enganados. Invariavelmente os aluguéis para eventos no tal espaço acontecem em três ou quatro dias na semana. Os convidados das festas ali realizadas não trazem desassossego às pessoas que ainda reside na bela casa que divide o endereço, já que os moradores utilizam acessos alternativos para as dependências e o barulho não chega a incomodá-los. 

Say estava absolutamente com a razão dois séculos atrás, os “agentes principais” fazem a diferença em economias como a nossa.  Os arroubos de coragem e determinação de cidadãos como este constituem possibilidades reais de concretização de negócios que ajudam o país a crescer. No caso citado, o personagem deixa de ser empregado e passa a ser um empregador. Só é preciso estar atento a um detalhe, os requisitos para ser empreendedor são natos, não se aprende em faculdade, pode-se até aprimorá-los, mas não se adquire. É dom!