Salvador, 16 de setembro de 2012
Inevitavelmente qualquer pessoa que conheceu o Rio de
Janeiro e depara com um assentamento de piso em pedra portuguesa terá como lembrança
imediata o calçadão da praia de Copacabana. Seus desenhos das ondas, imitando o
mar, tornou-se uma referência internacional. Na via, costumam transitar
moradores do bairro, turistas boquiabertos, trabalhadores apressados e muitas
pessoas famosas – algumas delas notórias celebridades. Os quatro quilômetros deste
passeio extenso e largo ficam esparramados pela orla da Avenida Atlântica, tendo
como extremos dois fortes militares (Leme e Copacabana). É a passarela por onde
desfilam, num vai e vem aluciante, os personagens descritos acima.
Por este calçadão, costumeiramente e quase sempre aos finais de
semana, o prefeito alterna moderadas corridas com caminhadas intensas, encerradas
com séries precisas de alongamentos. Não seria motivo de interjeição se o
prefeito que realiza semanalmente estes exercícios físicos fosse o da cidade
maravilhosa. A surpresa fica por conta de que o prefeito em questão é da cidade
de Salvador – João Henrique. Segundo consta, o mesmo adotou o Rio de Janeiro
como sua nova cidade-moradia e escolheu a praia de Copacabana para realizar sua atividades aeróbicas. Não me admira a
sua total ausência – física, moral e gestora – da cidade que governa. A questão
é que nunca tinha visto, ao longo de todos esses anos que acompanho política, uma
capital brasileira ser tão prematuramente abandonada. Não recordo a cidade tão
caótica quanto agora. Salvador vive à própria sorte. Está sem rumo e em perigo.
É como um transatlântico indo de encontro a um iceberg, cujo comandante lançou-se
ao mar em busca de sua própria salvação deixando tripulação e passageiros em
apuros. Esta embarcação chamada Salvador parece já ter batido num enorme obstáculo
e está afundando aos poucos. Resta saber qual o eminente destino daqueles que
embarcaram nesta viagem desatinada.
Salvador é muito peculiar.
Localizada entre o Trópico de Capricórnio e a Linha do Equador, tem a forma
física de uma cunha cuja ponta - Farol da Barra - se abre em dois arcos
contornados pelo Oceano Atlântico e pela Baía de Todos os Santos. A sua dominialidade geográfica inclui, além
da famosa península, algumas ilhas situadas na Baía: Frades, Bom Jesus e Maré
são as mais conhecidas ilhas que integram o município. Elas apresentam belas
paisagens, praias calmas e uma vegetação remanescente da Mata Atlântica.
Semana passada estive
em umas delas. Fui à Ilha de Maré a convite do Centro de Referência em
Assistência Social do local para ministrar uma palestra sobre Desenvolvimento Sustentável
e suas interferências com estas comunidades. A localidade fica a cerca de cinco
quilômetros de São Tomé de Paripe - última praia do subúrbio de Salvador. Sua
travessia é feita exclusivamente de barco ou lancha. Possui uma população de
aproximadamente oito mil pessoas que vivem em povoados distribuídos nos quase
quatorze quilômetros quadrados de área da Ilha.
A palestra ocorreu na tarde de quarta-feira no povoado de
Santana. Localizado na costa oeste da Ilha, Santana deve ter aproximadamente
quatro centenas de domicílios cuja população total deve ficar abaixo dos dois
mil habitantes. Neste povoado percebi claramente a carência de ações do Estado
e mais nitidamente ainda a ausência do prefeito. Falta tudo! Mas falta tudo
mesmo! Sem saneamento ambiental, sem escolas de qualidade, sem infraestrutura
hospitalar, sem equipamentos esportivos, sem biblioteca, sem projetos para
difusão de cultura, sem segurança pública, sem políticas para geração de
empregos e tudo o mais que qualquer cidadão do século XXI possa crer como
imprescindível para um desenvolvimento local. Esta é a realidade dali. O
povoado vive como se estivesse no Brasil colônia.
Uma constatação curiosa: A julgar pelo que escutei durante a
minha estadia por lá, posso atestar que os péssimos acordes e letras das
músicas ouvidas no local são os mesmos que fazem sucesso Brasil afora e ratificam
a minha opinião de que o mau gosto chega sempre adiantado aos mais longínquos
lugares do país.
Qual a esperança dessa população? A cada quatro anos, ela é renovada
com a possibilidade de um novo prefeito se apropriar dos problemas enfrentados
de há muito pelos moradores, planejar com afinco e partir para a tomada de
decisões cujos desdobramentos visem solucionar os percalços daquela população.
Fui então para o catálogo de opções políticas que consta
para o processo eleitoral de Salvador e me deparei com seis candidatos – frutos
das apostas dos seus agrupamentos partidários – que muito provavelmente deve
continuar dando à cidade, e em particular aos povoados a que me referi o mesmo
tratamento que os munícipes vêm recebendo das atuais autoridades: desprezo.
Neto, Pelegrino, Mário, Marinho, Hamilton e Da Luz
constituem os produtos estampados nas seções do comércio eleitoral ganhando
roupagens diferenciadas pelo marketing político, mas ocultando o seu real conteúdo:
um traz as vestes do novo, porém representa a oligarquia coronelista que se
instalou na Bahia e aniquilou toda uma geração; o outro é fruto da usura
partidária pelas máquinas administrativas do país; o outro representa a
convicção da apropriação indevida dos recursos públicos; o outro é a ameaça
latente do oportunismo religioso que quer se instalar nos espaços públicos; o
outro é a concretização do discurso ideológico extremista que lhe concede uma
visão embaçada e impede qualquer proposta viável para a cidade; e o último não
apresenta conteúdo algum, é um conjunto vazio. É como se estivéssemos diante de
seis marcas diferentes de desinfetantes exibidos nas prateleiras do
supermercado e chegássemos à conclusão que nenhum dos ofertados cumpre
verdadeiramente a sua função de limpeza. O que fazer então? Gastar tempo e dinheiro
para testar um deles ou ter a certeza de que não se deve levar qualquer um dos
produtos? Fico com a segunda opção.
Claro que os mais conservadores rejeitarão a proposta. Qual
o sentido do voto nulo? A julgar pela interpretação do Tribunal Superior
Eleitoral - nulidade só invalida as eleições quando os votos são provenientes
de alguma fraude e não por opção da maioria dos eleitores - não acontece nada.
O fato é que você deixará para outras pessoas a decisão sobre o destino do seu
município. Que dilema! Mas qual o sentido de eu continuar defendendo o voto
nulo? É ideológico! Quero dizer em voz alta (e em companhia do maior número
possíveis de eleitores) que os produtos oferecidos, quer dizer os candidatos neste
certame, não são as melhores escolhas para o cargo a que concorrem. Talvez isso
possa provocar uma reflexão acerca do modelo democrático em que vivemos.
Recentemente um casal de amigos em conversa comigo, iniciou via
facebook e tweeter, um movimento dentro de um restaurante: “queremos outros candidatos
para Salvador!” que mesmo tardiamente está se propagando. Desejam, assim como
eu, ver quadros técnicos, honestos e comprovadamente competentes como opção de
gestão para a nossa cidade. A verdade é que somos vítimas dos conchavos e
negociatas tramados por pequenos grupos políticos que visam se apoderar do
Palácio Tomé de Souza e que impõem unilateralmente o nome dos nossos aspirantes
a prefeito. Nestes últimos anos conheci uma centena de soteropolitanos com uma
capacidade imensa de contribuir com a gestão da nossa cidade e que nunca terão
oportunidade de estampar suas fotografias nas urnas eletrônicas como opção viável
para comandar o município ou mesmo integrar os escalões de governo. Como
mudar isso? Não sei, ainda é uma utopia.
O final dessa estória é presumível e será confirmada daqui a
quatro anos. Vamos aguardar a movimentação do prefeito eleito em torno da sua
reeleição ou conheceremos sua escolha por alguma famosa praia brasileira para
suas corridinhas matinais.
Realmente amigo...nessa você se superou. Aliás, você vem se superando a cada texto publicado. Muito oportuno o tema. Eu realmente não teria nada a acrescentar ao belo texto. Só me resta agora levá-lo aos demais colegas internautas para degustá-lo.
ResponderExcluirAbraço.
Parabéns Anílson, só através do Face fiquei conhecendo seu blog. Muito interessante seu artigo e eu estou na mesma, vejo-me sem opções e com uma certa "pena" vou votar nulo como forma de protesto, pois assim como você é uma questão ideológica.
ResponderExcluirParabéns e continue compartilhando no face suas publicações porque vc escreve maravilhosamente bem e torna prazerosa a leitura. Abçs
Diná
Também votarei nulo, meu compadre. Como sempre fiz desde que (obrigatoriamente) dei entrada e recebi o meu título de eleitor. E mais triste do que as decrépitas figuras que buscam o poder maior da nossa capital, só os coadjuvantes dessa patética eleição: os 1309 candidatos às 41 vagas da Câmara de Vereadores. Patéticos e inescrupulosos oportunistas que; ou se orgulham de ter votado a favor ou contra a lei tal; ou buscam renda fixa, 30 segundos de fama na televisão, popularidade no bairro, etc; ou, se orgulham das proposições de leis que muitas vezes não passam de cópias de leis de outros municípios. E lembrar que foi assim que João Henrique - o atleta feirense radicado no Rio de Janeiro - conseguiu se eleger vereador por duas vezes, deputado uma, prefeito duas, e conseguiu fazer de Salvador uma mistura escabrosa de Rio de Janeiro, Feira de Santana e Maputo.
ResponderExcluirPrimeiro quero parabenizá-lo pela excelente escrita. Fazer a leitura de seus textos tornou-se algo prazeroso, reflexivo para mim. Em relação à temática abordada você introduziu o ponto X da questão METÓDO DEMOCRÁTICO DO NOSSO PAÍS. Como podemos falar em democracia, se a mesma não nos possibilita a exercê-la de forma crítica e independente, como você mesmo citou votar nulo por ideologia, por que não, votar como algo facultativo? Seria primeira forma de DEMOCRACIA.
ResponderExcluirEm relação à cidade de Salvador, chego em casa todos os dias chateada ao deparar-me com situações cotidianas que deveriam ser canalizadas por ações públicas significativas para a população, um exemplo disso, pelo menos dos quais convivo diariamente, é o transporte "público" da cidade, sem mais palavras para tal. Essa situação reflete em seus entorno, conforme podemos observar na referida Ilha, sem falar que a sua descrição da Ilha nos remete também a realidade dos bairros populosos de Salvador. É lastimável.
Aí, nos deparamos com candidatos com suas falácias sobre "AÇÕES DE GOVERNO", que na verdade nada mais é, uma forma pedagógica de falar, disputa quem BRICARÁ MAIS COM O DINHEIRO PÚBLICO. Fica a nossa reflexão sobre as pertinentes palavras de Anilson, esperar mais 4 anos. Acho importante divulgarmos esses pensamentos críticos, políticos e ideológicos para entender e acionar a nossa verdadeira DEMOCRACIA. Falei demais, beijos!