Salvador, 06 de setembro de 2012
Adquiri o hábito de fazer compras tarde da noite. Quase
sempre vou aos supermercados depois das vinte e uma horas. Ultimamente tenho
optado por uma das lojas da rede mais conhecida do estado que fica ancorada no
térreo do melhor shopping daqui de Salvador.
Cerca de um mês atrás, às nove e meia da noite, eu estava na
fila de pequenos volumes deste supermercado com um carrinho contendo uns poucos produtos que urgia na minha despensa. Minha
pressa peculiar para ser atendido era visível. Eu estava ali absolutamente
aborrecido e disperso. Logo atrás, três
trabalhadores da construção civil - denunciados pela farda que vestiam – anteciparam
suas compras e começaram a beber as cervejas do tipo long neck antes expostas
em refrigeradores improvisados ao longo das seções, e que eles pagariam após o consumo. Apesar de ser tarde, a espera na fila era
demorada e os operários começaram a conversar sobre futebol baiano, ao
passo em que não perdi a oportunidade de emitir minha opinião sobre o assunto.
Obviamente éramos os quatro – dois tricolores e dois rubro-negros – a defender
nossos pontos de vista.
Quando cheguei próximo do caixa fui surpreendido por um
sujeito maltrapilho, visivelmente acima do peso e com o rosto bem abatido:
- O senhor poderia me dar dois minutos de atenção? – Falou ele, para em seguida prosseguir sua
argumentação ante o aceno positivo da minha cabeça – Eu e minha mulher estamos
desempregados e estamos com dois filhos que precisam se alimentar. Não sou
vagabundo e estamos precisando de ajuda.
Não emiti palavra alguma. Meu silêncio denunciou a minha
reação ao pedido. Fui convencido. Acompanhei sua súplica e também o momento que
mareou os olhos ao citar a situação dos filhos:
- Meus filhos precisam comer – continuou ele – eu te peço por favor que
compre este leite para eles. Somente isso.
Em suas mãos um balde plástico contendo três embalagens de
leite ninho integral de 800 gramas cada. Fiquei em
dúvidas se o pedinte queria que eu comprasse as três embalagens ou se o
mesmo iria dividir esta despesa com outros clientes escolhidos no supermercado. Ele logo
tratou de retirar a minha dúvida e entregou
o balde para que adicionasse ao meu carrinho de compras. Saiu em seguida para
me aguardar no estacionamento da loja.
Meus três novos colegas da construção civil dispararam:
- Isto é golpe!
- Esse cara deve viver da malandragem!
- Não compre não!
Fui contido no meu ímpeto de caridade e fiz uma reflexão ao
apelo dos meus companheiros de fila. A
dúvida que tive quanto à veracidade da estória foi absolutamente cruel. Só
vinha a minha mente duas crianças famintas e ao mesmo tempo a possibilidade de
estar sendo enganado.
Como se estivesse a realizar um julgamento e diante dos
fatos relatados, resolvi ficar no meio termo. Comprei dois litros de leite
líquido e fui fazer a entrega ao pobre sujeito. Meu raciocínio: se as crianças
de fato existissem não ficariam sem alimentação, porém se fosse tudo invenção
da parte dele, meu gasto se reduziria em cerca de dez por cento do valor
inicial.
Ao sair do caixa me deparei com o pedinte e fui logo
dizendo:
- Não comprei o leite que você me indicou, mas estou dando
uma ajudazinha aqui de dois litros de leite para a alimentação da sua família.
- Senhor, meus filhos não tomam leite Alimba! – me respondeu
o cidadão.
Antes que eu pudesse contra-argumentar e sugerir que eles
então usassem na própria alimentação (dele e da mulher), o mesmo já havia
virado as costas pra mim e batido em retirada na busca por outro desprevenido
cidadão.
Fiquei profundamente indignado com aquela reação. Neste
instante, meus três colegas de fila gesticulavam do lado de fora do
supermercado e acenavam para um carrinho de compras lotado de produtos acompanhado
por uma mulher de cara enfezada. Não entendi o que eles queriam me dizer, até
que um deles veio até a mim:
- Tá vendo aquele carro cheio de compras? O casal passa o
dia inteirinho no supermercado pedindo para que os clientes façam aquisições
para eles.
Minha indignação foi maior ainda! Incrédulo, fui dar uma
olhada nas compras do casal de pedintes e também me surpreendi com o bom gosto
deles quanto às marcas dos produtos. Além do leite Ninho que eles me
solicitaram, lá estavam: café Nescafé, sabão em pó Omo, papel higiênico Neve e tantos outros produtos de indústrias conhecidas.
Depois destas minhas constatações, outra dúvida me ocorreu:
o casal leva as compras pra casa ou as vende? Parece evidente que são negociadas. E
você meu amigo? É bem possível que você já tenha contribuído de alguma forma para
que outros vigaristas continuem aplicando seus golpes por aí.
Agora o grande dilema: Como separar o joio do trigo? A
rigor, não se deve fazer determinadas caridades a pessoas ou instituições que
não sejam sérias ou que se conheça profundamente seu propósito. Uma moeda de
dez centavos entregue numa sinaleira pode representar um enorme fomento para a
proliferação da mendicância nas cidades brasileiras. Meu colega de trabalho
inclusive desenvolveu uma teoria. Se os pedintes estão famintos é melhor dar
comida do que dinheiro. No porta-luvas do seu carro costuma ir um ou dois
quilos de goiabada acondicionados em pequenas embalagens (compradas em
bombonieres) que sorridente ele entrega, um a um, a cada garoto que insiste em
lavar o para-brisa do seu veículo. Sua ação costuma acalmar o ímpeto de fome dos
meninos de rua e tranquilizar sua consciência ao se evitar a compra de drogas
baratas e de fácil acesso.
Esta é uma ideia. Enquanto o Estado não assume verdadeiramente
suas responsabilidades para com os cidadãos, a gente vai tomando golpes e aprendendo
a se virar!
Mais uma vez foi DEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEZ!! É incrível mesmo esse seu magnetismo para viver situações iguais a esta. Se tal relato não viesse de você eu exitaria em acreditar.
ResponderExcluirAbraços amigo!!
Ótimas colocações, a cidade realmente está cheia dessas pessoas que querem apenas se aproveitar da boa vontade de algumas pessoas, e parabenizo o seu colega pela ideia.
ResponderExcluirOi, Anilson
ResponderExcluirParabéns! Tem sido interessante acompanhar suas produções.
Os relatos retratam o nosso cotidiano, como é vida real nem sempre com finais felizes, nem clara distinção entre moçinhos e bandidos.
O que acontece nos espaços micro reproduzem decisões e políticas macro. Ajudar um e outro pedinte sempre nos coloca numa posição delicada, não sabemos se estamos realmente minorando um problema social ao fazer uma boa ação ou reforçando uma situação de comodismo ou vigarice. Como saber?! eu sigo meu feeling, deixo meus sentimentos me guiar na decisão.
Um abraço,
Já aconteceu comigo também! Quando o cara me pediu para comprar o leite Ninho, ofereci a ele comprar o Itambé que era mais barato, e ele me respondeu a mesma coisa, que os filhos dele não tomavam leite Ninho. Eu falei:
ResponderExcluir- Meu senhor, me desculpe a franqueza mas, eu que sou filho de médico, nunca tomei leite Ninho, lá em Jequié eu tomava leite de vaca mesmo, o senhor que tá nesta condiçao de dificuldade, ainda tá se dando o direito de escolher!!! E olha que eu não estou lhe oferecendo nenhuma porcaria!! Acho que o senhor devia é mimar menos os seus filhos que tão cheios de caprichos!!!
O cara não aceitou o Itambé e foi pedir para a senhora que estava ao lado.
Depois o caixa me explicou que eles passam o dia fazendo isso pra vender lá fora!!
Muito show de Bola! Aplaudo de pé!
ResponderExcluir