quinta-feira, 27 de setembro de 2012

A imobilidade urbana




Salvador, 20 de setembro de 2012




“Cidade avançada não é aquela onde os pobres andam de carro, mas sim aquela onde os ricos andam no transporte público”. Com esta expressão rondando a minha mente, me debrucei sobre a obra e o autor da intrigante frase acima.

Enrique Peñalosa é urbanista e economista, foi prefeito da cidade de Bogotá na Colômbia, entre os anos de 1998 e 2001. Pesquisador agudo e consultor mundial em planejamento urbano. Peñalosa se dedica a apresentar soluções visando cidades sustentáveis, tendo como baliza a qualidade de vida e mobilidade dos cidadãos. Entre os seus feitos está a criação de mais de trezentos quilômetros de ciclovias na cidade que administrou, a transformação de uma enorme área degradada e ocupada por usuários e traficantes de crack, num visitado parque público e a adoção dos sistemas de ônibus rápidos em corredores exclusivos – espécie de BRT (Bus Rapid Transit). Apesar disso, não se  pode classificar Bogotá como referência urbanística em virtude dos outros  tantos problemas. Entretanto, há que se considerar que investimentos públicos deste porte e com esta finalidade, em países pobres  como o nosso, é, em tempos atuais, quase uma raridade.

Duas experiências vividas por mim recentemente, me deixaram com este tema - mobilidade urbana - na cabeça. A primeira, no último dia seis, quinta-feira às dezoito horas, véspera do feriado prolongado, optei por dirigir numa via que não costumo utilizar com frequência.  Escolhi a cidade baixa como acesso para o Barbalho, já que saía do bairro do Canela. Da saída do Comércio, no início da Avenida Jequitaia, até o acesso à Ladeira da Água Brusca levei aproximadamente sessenta minutos trafegando num engarrafamento dantesco cujo trecho possui pouco mais de novecentos metros. Não precisa ser gênio para chegar à conclusão de que a velocidade média foi de apenas um quilômetro por hora. Conheço pessoas idosas que caminham numa velocidade cinco vezes maior que a desenvolvida por mim no volante. Senti-me um trouxa dentro do carro, parado e observando as pessoas caminharem lá fora. Qual o sentido do alto investimento que fazemos na aquisição de um veículo e nos inúmeros itens que o acompanha (seguros, impostos, combustíveis, manutenções, acessórios) para ficar a maior parte do tempo num tormento cruel preso no congestionamento? Vi-me, de novo, como num castigo infantil, sendo obrigado a ficar sentado num sofá depois das traquinagens de criança. Não havia saída. A única coisa a fazer era esperar...

A segunda, no mês passado, num final de semana no Rio de Janeiro, quando utilizei o ônibus articulado do corredor expresso do sistema Transoeste (BRT) - recentemente inaugurado - para ir à residência de um casal de amigos publicitários: ele, baiano-interiorano e ela, carioca-cosmopolita (assim como a teoria  Yin/Yang, suas polaridades se complementam). Fui do Terminal da Alvorada, na Barra da Tijuca até a estação Glaucio Gil, no Recreio dos Bandeirantes, em sete minutos. Segundo meus anfitriões na cidade maravilhosa, este percurso costuma durar o triplo do tempo numa viagem em ônibus convencional. Aprovei o sistema como usuário de fim de semana. Não tenho como mensurar sua funcionalidade e eficiência em horários de pico e nos dias úteis. É preciso dar o tempo suficiente para uma avaliação mais concreta. Há, por enquanto, um sentimento difundido de que os usuários de transporte coletivo da Zona Oeste do Rio foram enormemente beneficiados. Será?

Qual a relação entre estas duas experiências que vivi? Evidente que ambas apontam qual o horizonte que vislumbramos para a mobilidade urbana de Salvador. Quais as alternativas de intervenção para que não sejamos vítimas de um caos generalizado no trânsito que nos impeça cotidianamente de chegar ao trabalho ou faculdade dentro de um limite de tolerância aceitável? Será que não já vivenciamos isto?

Do ponto de vista urbanístico, as cidades brasileiras precisam enxergar com veemência as causas e consequências das apropriações e disputas das pessoas e veículos que integram a acessibilidade e mobilidade dentro dos cotornos viários do território urbano: condutores e passageiros de automóveis particulares, de ônibus, de metrôs, de trens, de táxis, de motocicletas, de veículos especiais, além de pedestres e ciclistas, necessitam de projetos e obras audaciosos que interfiram com exatidão nos Planos Diretores municipais. Para, além disso, avançar em proposições que desestimulem o uso frequente de veículos motorizados. A lógica de uma vida mais saudável prega que caminhadas e ciclismo são ótimos exercícios para a saúde da população, além de contribuir com a sustentabilidade ambiental. Então por que não se incentivar com a devida ênfase estas atividades físicas? As campanhas são, quase sempre, moderadas e sazonais.

Sancionada em três de janeiro deste ano, a Política Nacional de Mobilidade Urbana não se reporta ao pedestre. Parece não haver uma atenção destinada às pessoas que optam por caminhar para chegar ao seu destino. Aqui em Salvador, há registros de pessoas que andam por mais de dez quilômetros diariamente pra se chegar e/ou voltar do trabalho com o intuito de economizar a grana da passagem. Neste aspecto, o principal feito das administrações municipais para “ajudar” os pedestres seria a manutenção e a integridade das calçadas ao longo das ruas. Óbvio que não é o caso da nossa cidade!

Salvador possui menos de três milhões de habitantes e uma malha cicloviária de aproximadamente vinte quilômetros, que contorna, prioritariamente, sua orla marítima oceânica e alguns parques públicos. Para efeito de comparação, Buenos Aires, com quase a mesma população, possui noventa quilômetros de ciclovias e um sistema integrado com 22 estações e 850 bicicletas gratuitas. Claro que também não temos o que comemorar!

Em relação aos transportes de massa de Salvador, até recentemente estávamos na dúvida se enveredaríamos pelo metrô ou BRT rasgando o canteiro central da Avenida Paralela para implantação de um deles. Afirma-se que estudos multidisciplinares foram realizados com o intuito de se investir no modelo apropriado. Neste aspecto, desconfio que o sistema vitorioso - metrô sobre superfície -  foi selecionado muito menos pelos impactos ambientais, econômicos e sociais da sua implantação do que pelos lobbies defendidos pelas organizações sanguessugas da iniciativa privada que proliferam no habitat público. A julgar pelo tempo e investimento dispostos nos seis quilômetros da malha metroviária ainda não concluída daqui de Salvador, cuja intervenção possui doze anos de obra e gastos na ordem de mais de um bilhão de reais, não sei se estarei vivo para utilizar os bilhetes de passagem nas estações do Imbuí e Pituaçu.

A mobilidade urbana de Salvador é um tema sério e precisa do envolvimento de técnicos qualificados que trabalhem ininterruptamente para que a cidade adquira condições de trafegabilidade. Por enquanto ficaremos apenas com a utopia. Com a cidade imaginária. Aquela idealizada por Peñalosa, que nos faz crer ser possível deixar nossos trambolhos poluidores de uma ou duas toneladas na garagem de casa, para contemplar a cidade a pé ou de bicicleta.



quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Nosso muro árabe







Salvador, 20 de setembro de 2012



A história da Palestina registra, ao longo de séculos, frequentes diásporas do povo judeu naquele pedaço de terra do tamanho do estado de Sergipe, com aproximadamente 20 mil quilômetros quadrados, situado no Sudeste Asiático e despojado sobre o litoral do mar Mediterrâneo. Em maio de 1948 o povo judeu, com a ajuda dos Estados Unidos, conseguiu instalar o estado de Israel repatriando milhares deles dispostos pelo mundo, numa região predominantemente mulçumana. Israel faz fronteira com países árabes que lhe fazem oposição. Durante os últimos setenta anos, judeus e mulçumanos travam guerras sangrentas ante o argumento do fundamentalismo religioso, do domínio político e da conquista de terras. Milhares de pessoas já morreram vítimas destas batalhas desumanas. Jerusalém fica no coração do território conflitante e é alvo de posse dos dois povos. 

Israel cresce sua economia ano a ano - capitaneada por altos investimentos em educação - com índices bem superiores a diversos países desenvolvidos, motivo que impressiona estudiosos em virtude das guerras enfrentadas, da sua localização geográfica e de sua curta história como nação.  Em situação econômica completamente oposta se encontram os países de origem mulçumana ao redor da nação judia. A pobreza e a ignorância imperam nestes países - os índices de analfabetismo são estratosféricos. Uma das soluções encontradas para segregação de judeus e palestinos foi a criação de um muro de segurança, em alvenaria, que separa o estado de Israel da Cisjordânia.  Este paredão sob o olhar da cultura ocidental é emblemático e representa um dos registros mais cruéis da intolerância humana.

No domingo, imediatamente posterior ao aniversário de dois anos de Guilherme, filho de um casal de amigos que fui padrinho de casamento, resolvi lhes fazer uma visita. Cheguei pela manhã, não muito cedo, já que a rotina de ida à casa dos amigos aqui na Bahia nos dá a experiência exata para escolha do horário e não tornar a estadia inconveniente. Meus amigos moram em uma das torres de um dos condomínios recentemente entregues no empreendimento Alphaville na Avenida Paralela. Com a tradicional e afetiva receptividade da família e um sorriso estampado de Guilherme fui recebido no belíssimo apartamento deles. A conversa girou em torno de vários assuntos e culminou com a empolgação da nova moradia. Mudaram de um apartamento localizado num bairro tradicional da cidade e passaram a residir numa propriedade implantada em um “novo” bairro de Salvador que oferece os mais variados leques de lazer e serviços.

Meus amigos se dispuseram a mostrar as opções oferecidas aos moradores e seus convidados (dentro dos limites do regimento, é óbvio!). Descemos todos ao lobby da sua torre – o condomínio possui três torres – e fomos passeando pelas dependências comuns, reconhecendo os espaços generosos disponibilizados: quadras de esportes, piscinas adulto e infantil, academia de musculação e ginástica, estúdio de pilates, salão de jogos, cinema, boate, salão de festas, espaço gourmet e tantos outros, que aqui não conseguirei dizer, já que precisaria de um pouco mais de memória para relembrar o que vi. Seu condomínio é mais um dos grandes empreendimentos de Salvador que tenta convencer o cliente a partir da sólida proposta de passatempo para as famílias, além das apostas nos projetos para contemplar a estética, o conforto e a funcionalidade das habitações.

Inevitavelmente esta nova proposta de moradia acaba por fazer enorme sucesso com as classes mais opulentas dos grandes centros urbanos do país. Com forte apelo na segurança dos condôminos, já que a possibilidade de ser importunada pela marginália que toma conta das cidades é quase nula, os empreendimentos vão se proliferando pelos – ainda - viáveis terrenos disponibilizados pela especulação imobiliária na cidade de Salvador. O principal alvo para fincar os condomínios na cidade ainda é o que resta de mata atlântica ao longo da Avenida Paralela – uma das vias mais movimentadas da cidade e que chega a escoar mais de duzentos mil veículos por dia.

Vejo com preocupação o sectarismo da cidade a partir de movimentos como este. Evidente que nenhum habitante gozando de plena saúde mental vai optar por outra vivenda menos glamourosa tendo a condição financeira de habitar em um condomínio que oferece tantas comodidades. Entretanto, há que se discutir que formaremos empreendimentos-fortalezas, desmembrados dos demais bairros que compõe a nossa cidade. Haveremos de não nos (re) conhecermos mais! O espaço público outrora componente fundamental para o exercício pleno da cidadania se tornará o reduto de quem vive à margem da sociedade. Quem ousará namorar nas praças públicas das metrópoles? Quem convidará o amigo para um passeio pelo centro antigo das grandes cidades?

A nossa cidade vive, em particular, um abandono genuíno  por conta  das catastróficas gestões públicas que se apoderou da prefeitura municipal nas últimas décadas. Alie-se a isso o fato de que as classes alta e média soteropolitanas têm optado por moradias que adotam exclusivamente a porta do condomínio pra dentro como algo do seu interesse efetivo. Quase nenhum destes se importa com o restante da cidade. Nós nos preocupamos em pagar as taxas de condomínio do prédio que moramos e reclamamos da taxa de IPTU da nossa cidade – às vezes esta última corresponde anualmente ao valor da mensalidade da primeira! E o resultado disso é, inevitavelmente, a criação de “ilhas de moradia” cercadas por fragmentos de uma cidade pobre, insegura e feia.

Quando a sociedade culta e/ou abastada da nossa cidade se der conta, haveremos de garimpar a fachada rococó da Igreja do Bonfim escondida por trás de uma montanha de lixo, apreciar o estilo art déco do elevador Lacerda com seus acessos cercados de pedintes sujos e famintos e contemplar a arquitetura militar do forte do Santo Antônio da Barra (farol) sendo ladeado de dejetos-humanos e humanos-dejetos. Para quem pensa que este cenário está distante, convido-os a um passeio pelos tais locais turísticos da outrora empolgante e acolhedora cidade de Salvador.

A que se reduzirão os logradouros e espaços públicos antes dispostos incontestes aos seus cidadãos? Será absolutamente factível encontrarmos uma cidade paradoxalmente contraditória. Dentro dos condomínios de luxo, conviveremos com a harmonia pacífica e  charmosa dos moradores, ostentadas pelas mais variadas opções de bem-estar que o mundo moderno requer. Do lado de fora dos condomínios, uma cidade desigual, impactante e bárbara com confrontos reais e violentos exibidos nos programas vespertinos de tevê. Curiosamente, o simbolismo da separação destes universos díspares é a construção de um muro de segurança. Um muro de alvenaria tão singelo e frágil, mas que assim como o outro lá na Palestina, separa os judeus e muçulmanos que vivem em nós.


domingo, 16 de setembro de 2012

Por que o meu voto será nulo!










Salvador, 16 de setembro de 2012




Inevitavelmente qualquer pessoa que conheceu o Rio de Janeiro e depara com um assentamento de piso em pedra portuguesa terá como lembrança imediata o calçadão da praia de Copacabana. Seus desenhos das ondas, imitando o mar, tornou-se uma referência internacional. Na via, costumam transitar moradores do bairro, turistas boquiabertos, trabalhadores apressados e muitas pessoas famosas – algumas delas notórias celebridades. Os quatro quilômetros deste passeio extenso e largo ficam esparramados pela orla da Avenida Atlântica, tendo como extremos dois fortes militares (Leme e Copacabana). É a passarela por onde desfilam, num vai e vem aluciante, os personagens descritos acima.

Por este calçadão, costumeiramente e quase sempre aos finais de semana, o prefeito alterna moderadas corridas com caminhadas intensas, encerradas com séries precisas de alongamentos. Não seria motivo de interjeição se o prefeito que realiza semanalmente estes exercícios físicos fosse o da cidade maravilhosa. A surpresa fica por conta de que o prefeito em questão é da cidade de Salvador – João Henrique. Segundo consta, o mesmo adotou o Rio de Janeiro como sua nova cidade-moradia e escolheu a praia de Copacabana para realizar sua atividades aeróbicas.  Não me admira a sua total ausência – física, moral e gestora – da cidade que governa. A questão é que nunca tinha visto, ao longo de todos esses anos que acompanho política, uma capital brasileira ser tão prematuramente abandonada. Não recordo a cidade tão caótica quanto agora. Salvador vive à própria sorte. Está sem rumo e em perigo. É como um transatlântico indo de encontro a um iceberg, cujo comandante lançou-se ao mar em busca de sua própria salvação deixando tripulação e passageiros em apuros. Esta embarcação chamada Salvador parece já ter batido num enorme obstáculo e está afundando aos poucos. Resta saber qual o eminente destino daqueles que embarcaram nesta viagem desatinada.

Salvador é muito peculiar.  Localizada entre o Trópico de Capricórnio e a Linha do Equador, tem a forma física de uma cunha cuja ponta - Farol da Barra - se abre em dois arcos contornados pelo Oceano Atlântico e pela Baía de Todos os Santos.  A sua dominialidade geográfica inclui, além da famosa península, algumas ilhas situadas na Baía: Frades, Bom Jesus e Maré são as mais conhecidas ilhas que integram o município. Elas apresentam belas paisagens, praias calmas e uma vegetação remanescente da Mata Atlântica.

Semana passada estive em umas delas. Fui à Ilha de Maré a convite do Centro de Referência em Assistência Social do local para ministrar uma palestra sobre Desenvolvimento Sustentável e suas interferências com estas comunidades. A localidade fica a cerca de cinco quilômetros de São Tomé de Paripe - última praia do subúrbio de Salvador. Sua travessia é feita exclusivamente de barco ou lancha. Possui uma população de aproximadamente oito mil pessoas que vivem em povoados distribuídos nos quase quatorze quilômetros quadrados de área da Ilha. 

A palestra ocorreu na tarde de quarta-feira no povoado de Santana. Localizado na costa oeste da Ilha, Santana deve ter aproximadamente quatro centenas de domicílios cuja população total deve ficar abaixo dos dois mil habitantes. Neste povoado percebi claramente a carência de ações do Estado e mais nitidamente ainda a ausência do prefeito. Falta tudo! Mas falta tudo mesmo! Sem saneamento ambiental, sem escolas de qualidade, sem infraestrutura hospitalar, sem equipamentos esportivos, sem biblioteca, sem projetos para difusão de cultura, sem segurança pública, sem políticas para geração de empregos e tudo o mais que qualquer cidadão do século XXI possa crer como imprescindível para um desenvolvimento local. Esta é a realidade dali. O povoado vive como se estivesse no Brasil colônia. 

Uma constatação curiosa: A julgar pelo que escutei durante a minha estadia por lá, posso atestar que os péssimos acordes e letras das músicas ouvidas no local são os mesmos que fazem sucesso Brasil afora e ratificam a minha opinião de que o mau gosto chega sempre adiantado aos mais longínquos lugares do país.

Qual a esperança dessa população? A cada quatro anos, ela é renovada com a possibilidade de um novo prefeito se apropriar dos problemas enfrentados de há muito pelos moradores, planejar com afinco e partir para a tomada de decisões cujos desdobramentos visem solucionar os percalços daquela população.
Fui então para o catálogo de opções políticas que consta para o processo eleitoral de Salvador e me deparei com seis candidatos – frutos das apostas dos seus agrupamentos partidários – que muito provavelmente deve continuar dando à cidade, e em particular aos povoados a que me referi o mesmo tratamento que os munícipes vêm recebendo das atuais autoridades: desprezo.

Neto, Pelegrino, Mário, Marinho, Hamilton e Da Luz constituem os produtos estampados nas seções do comércio eleitoral ganhando roupagens diferenciadas pelo marketing político, mas ocultando o seu real conteúdo: um traz as vestes do novo, porém representa a oligarquia coronelista que se instalou na Bahia e aniquilou toda uma geração; o outro é fruto da usura partidária pelas máquinas administrativas do país; o outro representa a convicção da apropriação indevida dos recursos públicos; o outro é a ameaça latente do oportunismo religioso que quer se instalar nos espaços públicos; o outro é a concretização do discurso ideológico extremista que lhe concede uma visão embaçada e impede qualquer proposta viável para a cidade; e o último não apresenta conteúdo algum, é um conjunto vazio. É como se estivéssemos diante de seis marcas diferentes de desinfetantes exibidos nas prateleiras do supermercado e chegássemos à conclusão que nenhum dos ofertados cumpre verdadeiramente a sua função de limpeza. O que fazer então? Gastar tempo e dinheiro para testar um deles ou ter a certeza de que não se deve levar qualquer um dos produtos? Fico com a segunda opção.

Claro que os mais conservadores rejeitarão a proposta. Qual o sentido do voto nulo? A julgar pela interpretação do Tribunal Superior Eleitoral - nulidade só invalida as eleições quando os votos são provenientes de alguma fraude e não por opção da maioria dos eleitores - não acontece nada. O fato é que você deixará para outras pessoas a decisão sobre o destino do seu município. Que dilema! Mas qual o sentido de eu continuar defendendo o voto nulo? É ideológico! Quero dizer em voz alta (e em companhia do maior número possíveis de eleitores) que os produtos oferecidos, quer dizer os candidatos neste certame, não são as melhores escolhas para o cargo a que concorrem. Talvez isso possa provocar uma reflexão acerca do modelo democrático em que vivemos. 

Recentemente um casal de amigos em conversa comigo, iniciou via facebook e tweeter, um movimento dentro de um restaurante: “queremos outros candidatos para Salvador!” que mesmo tardiamente está se propagando. Desejam, assim como eu, ver quadros técnicos, honestos e comprovadamente competentes como opção de gestão para a nossa cidade. A verdade é que somos vítimas dos conchavos e negociatas tramados por pequenos grupos políticos que visam se apoderar do Palácio Tomé de Souza e que impõem unilateralmente o nome dos nossos aspirantes a prefeito. Nestes últimos anos conheci uma centena de soteropolitanos com uma capacidade imensa de contribuir com a gestão da nossa cidade e que nunca terão oportunidade de estampar suas fotografias nas urnas eletrônicas como opção viável para comandar o município ou mesmo integrar os escalões de governo. Como mudar isso? Não sei, ainda é uma utopia.

O final dessa estória é presumível e será confirmada daqui a quatro anos. Vamos aguardar a movimentação do prefeito eleito em torno da sua reeleição ou conheceremos sua escolha por alguma famosa praia brasileira para suas corridinhas matinais.

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

O golpe









Salvador, 06 de setembro de 2012


Adquiri o hábito de fazer compras tarde da noite. Quase sempre vou aos supermercados depois das vinte e uma horas. Ultimamente tenho optado por uma das lojas da rede mais conhecida do estado que fica ancorada no térreo do melhor shopping daqui de Salvador.

Cerca de um mês atrás, às nove e meia da noite, eu estava na fila de pequenos volumes deste supermercado com um carrinho contendo uns  poucos produtos que urgia na minha despensa. Minha pressa peculiar para ser atendido era visível. Eu estava ali absolutamente aborrecido e disperso.  Logo atrás, três trabalhadores da construção civil - denunciados pela farda que vestiam – anteciparam suas compras e começaram a beber as cervejas do tipo long neck antes expostas em refrigeradores improvisados ao longo das seções, e que eles pagariam após o consumo.  Apesar de ser tarde, a espera na fila era demorada e os operários começaram a conversar sobre futebol baiano, ao passo em que não perdi a oportunidade de emitir minha opinião sobre o assunto. Obviamente éramos os quatro – dois tricolores e dois rubro-negros – a defender nossos pontos de vista. 

Quando cheguei próximo do caixa fui surpreendido por um sujeito maltrapilho, visivelmente acima do peso e com o rosto bem abatido:

- O senhor poderia me dar dois minutos de atenção?  – Falou ele, para em seguida prosseguir sua argumentação ante o aceno positivo da minha cabeça – Eu e minha mulher estamos desempregados e estamos com dois filhos que precisam se alimentar. Não sou vagabundo e estamos precisando de ajuda.

Não emiti palavra alguma. Meu silêncio denunciou a minha reação ao pedido. Fui convencido. Acompanhei sua súplica e também o momento que mareou os olhos ao citar a situação dos filhos:

- Meus filhos precisam comer  – continuou ele – eu te peço por favor que compre este leite para eles.  Somente isso.

Em suas mãos um balde plástico contendo três embalagens de leite ninho integral de 800 gramas cada. Fiquei  em  dúvidas se o pedinte queria que eu comprasse as três embalagens ou se o mesmo iria dividir esta despesa com outros clientes escolhidos no supermercado. Ele logo tratou de retirar a minha dúvida  e entregou o balde para que adicionasse ao meu carrinho de compras. Saiu em seguida para me aguardar no estacionamento da loja.

Meus três novos colegas da construção civil dispararam:

- Isto é golpe! 

- Esse cara deve viver da malandragem!

- Não compre não!

Fui contido no meu ímpeto de caridade e fiz uma reflexão ao apelo dos  meus companheiros de fila. A dúvida que tive quanto à veracidade da estória foi absolutamente cruel. Só vinha a minha mente duas crianças famintas e ao mesmo tempo a possibilidade de estar sendo enganado.

Como se estivesse a realizar um julgamento e diante dos fatos relatados, resolvi ficar no meio termo. Comprei dois litros de leite líquido e fui fazer a entrega ao pobre sujeito. Meu raciocínio: se as crianças de fato existissem não ficariam sem alimentação, porém se fosse tudo invenção da parte dele, meu gasto se reduziria em cerca de dez por cento do valor inicial.

Ao sair do caixa me deparei com o pedinte e fui logo dizendo:

- Não comprei o leite que você me indicou, mas estou dando uma ajudazinha aqui de dois litros de leite para a alimentação da sua família.

- Senhor, meus filhos não tomam leite Alimba! – me respondeu o cidadão.

Antes que eu pudesse contra-argumentar e sugerir que eles então usassem na própria alimentação (dele e da mulher), o mesmo já havia virado as costas pra mim e batido em retirada na busca por outro desprevenido cidadão.

Fiquei profundamente indignado com aquela reação. Neste instante, meus três colegas de fila gesticulavam do lado de fora do supermercado e acenavam para um carrinho de compras lotado de produtos acompanhado por uma mulher de cara enfezada. Não entendi o que eles queriam me dizer, até que um deles veio até a mim:

- Tá vendo aquele carro cheio de compras? O casal passa o dia inteirinho no supermercado pedindo para que os clientes façam aquisições para eles.

Minha indignação foi maior ainda! Incrédulo, fui dar uma olhada nas compras do casal de pedintes e também me surpreendi com o bom gosto deles quanto às marcas dos produtos. Além do leite Ninho que eles me solicitaram, lá estavam: café Nescafé, sabão em pó Omo, papel higiênico Neve  e tantos outros produtos de indústrias conhecidas. 

Depois destas minhas constatações, outra dúvida me ocorreu: o casal leva as compras pra casa ou as vende? Parece evidente que são negociadas. E você meu amigo? É bem possível que você já tenha contribuído de alguma forma para que outros vigaristas continuem aplicando seus golpes por aí.  

Agora o grande dilema: Como separar o joio do trigo? A rigor, não se deve fazer determinadas caridades a pessoas ou instituições que não sejam sérias ou que se conheça profundamente seu propósito. Uma moeda de dez centavos entregue numa sinaleira pode representar um enorme fomento para a proliferação da mendicância nas cidades brasileiras. Meu colega de trabalho inclusive desenvolveu uma teoria. Se os pedintes estão famintos é melhor dar comida do que dinheiro. No porta-luvas do seu carro costuma ir um ou dois quilos de goiabada acondicionados em pequenas embalagens (compradas em bombonieres) que sorridente ele entrega, um a um, a cada garoto que insiste em lavar o para-brisa do seu veículo. Sua ação costuma acalmar o ímpeto de fome dos meninos de rua e tranquilizar sua consciência ao se evitar a compra de drogas baratas e de fácil acesso.

Esta é uma ideia. Enquanto o Estado não assume verdadeiramente suas responsabilidades para com os cidadãos, a gente vai tomando golpes e aprendendo a se virar!