domingo, 12 de agosto de 2012
No percurso
Salvador, 12 de agosto de 2012
Costumo ir com frequência à Brasília para trabalhar. Do aeroporto Juscelino Kubitschek à hospedagem no setor hoteleiro sul, onde fico, o translado dura cerca de vinte e cinco minutos. E é exatamente neste percurso e durante ele que adquiri a curiosa mania de instigar os motoristas de táxis a contar sobre sua vida. No início, como passatempo, eu lançava aos taxistas as seguintes perguntas; qual a sua cidade natal? e o que fez você vir trabalhar no Distrito Federal? – O fato relevante é que nunca, absolutamente nunca, eu fui conduzido por um taxista nascido na nossa capital, um legítimo candango. Sempre por brasileiros nascidos em outras cidades.
O que representava de começo apenas o tal passatempo se configurou num tema antropológico de possível apreciação das academias. Inusitadamente, a grande maioria dos taxistas que participou da minha “pesquisa” é oriunda de cidades do norte e nordeste e sua mudança pro Distrito Federal se dá por duas razões óbvias: amor ou dinheiro. Ou as duas coisas. Até aí nada de novo! Acontece que o desdobramento do papo trás inúmeras estórias narradas sob a ótica do sujeito protagonista - cujos enredos são incríveis - e às vezes impublicáveis a despeito do meu total anonimato e da possibilidade nula de nos encontrarmos novamente. Quase sempre o narrador se sente a vontade para contar suas travessuras.
Estórias quentes de sexo, escabrosas de traição, superação pela busca de melhores condições de vida são contadas abertamente para mim naquele mínimo tempo de percurso, como se eles - os trabalhadores - estivessem num divã improvisado. Das experiências ouvidas, resolvi catalogar as últimas cinco delas. Talvez com a ideia de futuramente publicar um livro contendo nos capítulos individualizados a estória anônima de cada um desses taxistas. Evidente que terei que modificar nomes, alterar cidades de nascimento, e nem pormenorizar detalhes que os identifique. Afinal de contas, o Plano Piloto é relativamente pequeno, e a maior parte dos protagonistas, que se cruzam diariamente nesta localidade, pode conhecer e se reconhecer nas estórias publicadas.
De início, achei que pudesse publicizar as versões na íntegra, mas me deparei com a enorme questão que impossibilita avançar nesta ideia. Assim como a jornalista norueguesa Åsne Seierstad fez em O livreiro de Cabul, cuja narrativa se baseia nos seus três meses de convivência com uma família afegã. Seu testemunho relata a crueldade vivida pelas mulheres daquele país logo após a queda do regime talibã em 2002, mas também expõe ao mundo aspectos familiares relatados a ela sob a égide da confiança mútua. Até que ponto Seierstad tinha o direito de revelar tais confidências? Esse dilema ético me confunde. As estórias que ouvi, a quem pertence? Tenho o direito de publicá-las já que não pedi autorização a cada um deles para isso?
No limite, resolvi contar uma estória simples e bastante incentivadora de um taxista que fez o percurso contrário – me levou do hotel ao aeroporto – e que tenho certeza de que não serei processado por dividí-la. De muito bom humor, o filho de um casal de baianos da cidade de Coribe, de prenome Dilson contou-me que leva a vida fazendo novos amigos diariamente. Com a experiência de quinze anos rodando pelas ruas brasilienses, me diz abertamente que suas estratégias em conquistar clientes se diferenciam dos seus colegas taxistas. Ao invés de ficar contando que passa por dificuldades financeiras, ele diz que anda bem de vida com o trabalho que tem. É rico! Nas estórias contadas aos seus clientes, diz possuir uma frota de seis táxis e que trabalha em um deles por hobby. Não retira menos de três mil reais por dia. Sua tese: Os clientes detestam pobreza. Querem conviver com pessoas que estejam bem de vida! Parece ter razão. Afinal de contas, muitos preferem não lembrar os seus problemas financeiros, quiçá ficar remoendo os alheios. Como sua experiência pessoal, ele conta que a cada vez que dizia aos passageiros suas dificuldades financeiras, estes nunca mais retornavam ao seu táxi ou ligavam buscando os seus serviços, o que o fez levantar esta sua hipótese. Está aí uma enorme lição de empreendedorismo: se quer ser bem sucedido num negócio, esqueça que os clientes tem a obrigação de te ajudar!
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Muito bom amigo! DEEEEEEEEEEEEEEZ!!
ResponderExcluirVocê é o cara !
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