sexta-feira, 17 de agosto de 2012

E a torcida se esquiva...






Salvador, 17 de agosto de 2012



Era quase meia-noite da terça-feira quando desembarquei no aeroporto Eurico de Aguiar Salles no Espírito Santo. Após atrasos e muita espera no Galeão - onde fiz conexão após sair do Aeroporto de Salvador às 19 horas.  A noite era chuvosa, no saguão cerca de vinte pessoas se manifestava alegremente na dependência adjacente ao setor de desembarque. Estava aparentemente à espera de Esquiva Falcão, lutador de boxe, um dos ganhadores de medalha de prata na última olimpíadas de Londres. Alguém que retirava a bagagem ao meu lado alertou de que o herói capixaba estava no vôo conosco. No meio de todos aqueles viajantes em busca de suas malas, não consegui identificar o lutador. Como eu estava com pressa e minha única bagagem despontou entre as primeiras da esteira, rapidamente saí da confusão em busca de táxi para o hotel.  Sinceramente não sei se aquela turma vestida em verde-amarelo empunhando bandeiras do Brasil realmente estava ali por causa da amizade ou parentesco com Falcão, da torcida pelo atleta, ou da possibilidade de botar a cara nas emissoras locais. Tenho minhas dúvidas quanto a esta devoção e  reverência imediata que a mídia denota aos atletas que se destacam em nosso país. Tenho convicção de que  ao invés de ajudar o esporte nacional, isto atrapalha enormemente. Principalmente as modalidades em que a prática não é coletiva. Cada atleta brasileiro que se destaca em alguma destas atividades cujos desempenhos têm repercussão internacional vira logo um potencial elemento de exploração de ibope.  Seus nomes e estórias são repetidos nas nossas principais emissoras de tevê. Chega-se à exaustão!

De uma hora para outra um desportista anônimo que sequer conseguia uns trocados (sob a forma de patrocínio) do dono da padaria, ganha notoriedade da imprensa, reconhecimento das autoridades, presentinhos duvidosos, fãs e até pedidos de casamento.  Visto por este lado, parece ser o momento mais importante da sua carreira: ser o número um na modalidade xis. E vocês, concordam? Eis o problema! A maioria das pessoas entende que sim. Entretanto o grande erro está aí! A dinâmica do esporte não possibilita ao recordista mundial “cochilar no ponto”.  Aliás, vencer uma prova às vezes requer uma série de elementos que passa distante daquilo que achamos óbvio ao atleta competidor: condicionamento físico impecável, superação nos treinos e biótipo para a modalidade a que concorre.  Digamos que o fator emocional tem uma enorme parcela contributiva no desempenho de cada atleta. Seu psicológico tem que estar impecável.  

Levanto então uma hipótese: A paparicagem  pelas emissoras de tevê aos atletas brasileiros que se destacam nas  competições mundiais os prejudica nas olimpíadas. Mas, por qual razão?  Simples: normalmente esses esportistas chegam ao topo das suas modalidades como anônimos, seus  sobrenomes só se tornam conhecidos após seus (bons) resultados. Como vencem então? Na cara e na coragem! Com pouco dinheiro e muita, mais muita, raça! E o que acontece quando eles vencem um mundial e se tornam famosos? Viram heróis nacionais. A partir daí para se tornar uma celebridade é um pequeno passo. O esportista vira garoto-propaganda de cartão de crédito e dá entrevistas em quase todos os chatos programas diurnos dos canais abertos. Nem sei se conseguem um tempinho pra rever seus familiares e amigos. Sua vida é tomada. Esta situação limite mexe sobremaneira com nossos atletas. Evidente que não foram preparados para lidar com o fato de se tornar da noite para o dia um atleta-celebridade. E onde ficam os treinos? A essa altura, com fama, dinheiro e sexo fica difícil se dedicar exclusivamente ao esporte! Só os exageradamente determinados conseguem não perder o foco.

Bom, mas para competir em olimpíadas é preciso ter índices respeitáveis e os nossos atletas não os tem? Claro que sim! Vejam onde se encaixa a minha tese. Para vencer numa olimpíada tem-se que enfrentar todos os elementos citados anteriormente, incluindo aí o preparo psicológico para as competições.  Que problema há com  Fabiana Murer, Diego Hypolito, Maurren Maggi, Daiane dos Santos, Rafaela Silva  e tantos outros que não venceram em Londres? Nenhum. Eles já foram campeões e representam bem o nosso país. O fato de estar participando de uma competição desta envergadura já é motivo de orgulho para qualquer atleta.  Estar entre os melhores do mundo numa piscina olímpica ou num tatame é um motivo para se orgulhar. Se uma das três medalhas distribuídas for conquistada e ele puder subir ao pódio, melhor ainda.

Acontece que no Brasil se endeusa tanto o primeiro colocado que não há espaço para congratulações aos demais premiados. No imaginário destes atletas está a seguinte questão: ou eu venço a competição e me torno herói ou vou ser escrachado pela massa brasileira. Em outras palavras: perderei patrocínio! A meu ver, este dilema fica reverberando na cabeça do atleta de tal modo que sua concentração é enormemente prejudicada. 

E a família Falcão? Bom, os dois irmãos - Esquiva e Yamaguchi – trouxeram, respectivamente, medalhas de prata e bronze para o boxe brasileiro nas últimas olimpíadas e ainda não ganharam o devido destaque nacional pelo feito realizado. A noite chuvosa de terça-feira no aeroporto de Vitória refletiu a frieza com a qual valorizamos os nossos atletas olímpicos. 

2 comentários:

  1. Olá Anilson, será que no primeiro momento você pensou que a recepção era pra você?

    Você tem razão nas suas observações sobre o tratamento dado aos atletas brasileiros que se destacam em alguma modalidade esportiva, principalmente em olimpíadas.

    No futebol então nem se fala, o jogador, no auge da carreira, transcende ao humano quase nem pisa no mais no chão.

    Olhado como nós que estamos bem distante dessas circunstâncias em que eles se envolvem salta aos olhos o despreparo emocional em eles se encontram. Muitas vezes porque são jovens demais ou por serem oriundos de famílias despreparadas e o que se vê na maioria das vezes é uma carreira interrompida precocemente, intercalada por bebedeiras, drogas, sexo desregrado, gastos exagerados e incontrolados. E o ser humano que está por trás, o atleta, o ídolo, o número "um", a essa altura quem ainda se lembra dele?

    Mas nem sempre foi assim, estes fatos retratam bem o momento atual, claro que nós temos atletas inesquecíveis, nem é preciso enumerar, certamente ao ler vem à nossa mente uma lista de nomes, atletas quem nem sempre ganharam "mundos e fundos" nem precisaram comprar carrões para desfilar pelas ruas.

    Nós temos ídolos sim, ídolos de verdade que vestiram a camisa brasileira com orgulho e defenderam a nossa nação com muita garra.

    Agora vamos torcer para que surjam novos atletas, vencedores na vida, nos estádios, nas pistas e na espiritualidade.

    Que nos dê orgulho de ser brasileiro.

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  2. É por isso que me orgulho de dar espaço aos atletas marginalizados, aos esportes sem badalação, às promessas que podem não dar certo, e aos esportistas guerreiros (e muitas vezes amadores) que os olhos da sociedade não vêem.
    Dia após dia ouço os relatos, vejo os treinos, sigo os exemplos; e isso, dinheiro nenhum paga. A TVE Bahia é especial nesse sentido, e, pra mim, poder fazer parte desse time é como conquistar uma medalha a cada dia nessa modalidade tão dura e cruel que é a vida.

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